No jornal I de hoje:
Primeiro plano
Ir à raiz do problema europeu
por João Rodrigues, Publicado em 08 de Fevereiro de 2010
"O desastre começa nas periferias: Portugal, Irlanda, Grécia, Espanha. O acrónimo lê-se "pigs". Há preconceitos que não desaparecem
O euro vai acabar? Não sabemos: estamos perante uma incerteza radical, conceito que teima em não entrar na cabeça da maioria dos economistas, convencidos de que podem atribuir probabilidades a tudo. Qual é o problema do euro, tal como foi instituído? Ser parte de uma utopia monetarista geradora de desemprego e desigualdades.
O euro é uma moeda única sem um orçamento central com peso, sem fiscalidade unificada e sem dívida pública europeia. Isto quando se sabe que, num contexto de integração monetária, o peso do orçamento da UE no PIB deveria ser, pelo menos, o dobro dos actuais 1%. Esta trajectória liberal é inédita e leva ao desastre que começa nas periferias: Portugal, Irlanda, Grécia, Espanha. O acrónimo lê-se "pigs" (porcos...), em inglês. Há preconceitos que não desaparecem. Os mercados financeiros ainda liberalizados guiam--se por eles e aprofundam-nos.
Os preconceitos multiplicam--se numa zona económica que já é mais desigual no seu conjunto do que os EUA, mas que não tem os mecanismos redistributivos federais norte-americanos. A zona euro também não tem uma Reserva Federal que tome o emprego e a inflação como objectivos a serem compatibilizados. Em 2008, já em plena crise, o BCE, o mais ortodoxo dos bancos centrais, ainda subia as taxas de juro: o fantasma da inflação, a domar por um euro forte e pelo desemprego, valia bem a continuada desindustrialização.
Em Portugal, onde mais de 40% dos assalariados ganha menos de 600 euros líquidos por mês, a confortável opinião convencional aposta na redução dos salários. O desemprego, com a consequente destruição de capacidade produtiva, é o único mecanismo que garante o sucesso deste desastre transformado em prescrição. Que fazer então? O economista Jorge Bateira, co-autor do blogue Ladrões de Bicicletas, já em Julho deste ano tinha defendido o que o ministro das finanças grego vem agora implicitamente sugerir: um tratamento global do problema europeu.
Assim, a Alemanha, que acumula brutais excedentes comerciais, tem de aumentar o poder dos seus assalariados para que os "pigs" encontrem mercados. É também necessária uma intensa e convergente actividade diplomática das periferias que garanta a criação de um fundo obrigacionista europeu para financiar situações de emergência e que impeça o tipo de tratamento que a Comissão quer dar à Grécia. O governo português revela uma grande miopia: não há moeda que sobreviva sem mecanismos de solidariedade construídos com alianças políticas. Estamos todos juntos nisto - países credores e devedores - ou então vai cada um para seu lado. Este cenário não será bonito para ninguém..."
Economista e co-autor do blogue Ladrões de Bicicletas
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