quinta-feira, 15 de maio de 2008

Finalmente!

Finalmente começam a surgir na imprensa portuguesa opiniões muito sensatas e bem fundamentadas acerca da crise energética mundial.
No Jornal de Negócios online foi publicado este artigo muito interessante da autoria de Luís Queirós:

"Luís Queirós
Novo aeroporto de Lisboa e o preço do petróleo

Com o preço do barril de petróleo (WTI) a roçar os 120 dólares na Bolsa de Matérias-Primas de Nova Iorque, é urgente que se reveja os cenários e os custos – feitos num pressuposto de energia abundante e barata – que estiveram na base da decisão de construir Alcochete.

O sector do transporte aéreo tem crescido muito acima da economia global. De acordo com dados apresentados pelo comandante Cristopher Smith, da British Airways, nos últimos 10 anos o sector do transporte aéreo cresceu 2,4 vezes mais depressa do que o PIB mundial.

Cerca de 90% da energia utilizada nos transportes deriva directamente do petróleo. A dependência dos combustíveis líquidos derivados do petróleo é particularmente elevada – deve mesmo dizer-se total – no sector aeronáutico, pois não existem alternativas energéticas ao fuel usado nos aviões. Está fora de questão, num futuro próximo, a utilização de energia eléctrica ou nuclear para propulsionar aeronaves comerciais.

O fuel sintético já produzido na África do Sul a partir do carvão (CTL, coal to liquid) não se mostra economicamente nem ambientalmente viável. Outras opções, como o etanol ou o biodiesel, têm fortes limitações técnicas relacionadas com a sua baixa densidade energética e com o seu comportamento físico nos intervalos de temperatura a que podem estar sujeitos.

A nível mundial consome-se diariamente cinco milhões de barris de petróleo na aviação comercial, o que equivale a cerca de 15 vezes o consumo de Portugal. Um tal volume corresponde a cerca de 6% do consumo mundial de petróleo e só é superado pelo consumo individual de três países (EUA, China e Japão). Num cenário de business as usual, os crescimentos previstos para o sector aeronáutico nos próximos anos, que é o mesmo que dizer para o tráfego aéreo, indicam que a procura de fuel irá aumentar acima da média mesmo que se encontrem formas de optimizar os consumos, redesenhando rotas, segmentando percursos – longos percursos exigem mais combustível, logo, maior peso e maior consumo na descolagem – ou mesmo produzindo novos tipos de aviões.

Mas é hoje uma opinião consensual que a maior ou menor disponibilidade de um combustível líquido derivado do petróleo, relativamente barato e adequado à aviação, terá fortes implicações no futuro do transporte aéreo e nos sectores da economia que lhes estão associados.

Até agora a produção de petróleo respondeu à procura sempre crescente. Contudo, sendo o petróleo um recurso limitado e por isso esgotável, a grande questão é saber como se vai comportar a curva de abastecimento, no futuro, para responder ao acréscimo de procura.

Entretanto, surgem um pouco por toda a parte sinais preocupantes: os EUA, desde 1970, deixaram de ser auto-suficientes, entraram em declínio de produção e já importam 60% do petróleo que consomem; a Noruega e o Reino Unido já estão a retirar cada vez menos petróleo do Mar do Norte (este, auto-suficiente nas últimas décadas, já teve de recorrer a importações em 2006!); no México, a jazida de Cantarel, a segunda maior conhecida no mundo, está em rápido esgotamento e este ano já produzirá menos 400.000 barris por dia do que no ano passado.

Países de economias emergentes, como a China e a Índia, estão a aumentar o consumo e a importar cada vez mais petróleo e os novos produtores (Angola, Ásia Central, Brasil) parecem não chegar para compensar as perdas devidas às decrescentes produções de outras fontes e são igualmente insuficientes para responder ao aumento da procura.

É certo que existem recursos abundantes daquilo a que se chama petróleo não convencional (deep water, areias e xistos betuminosos do Canadá e Venezuela, exploração de zonas polares, produção a partir do carvão – coal to liquid), mas com custos de produção bem mais elevados, prazos de exploração pouco confortáveis e implicações ambientais assinaláveis.

A generalidade dos analistas, já contabilizadas todas as formas de produção incluindo os biocombustíveis, prevê que a breve prazo haverá um desajustamento entre a procura e a oferta de petróleo a nível global. Os mais pessimistas (Colin Campbell, Matt Simmons, Deffeyes) falam em dois a cinco anos e os mais optimistas (CERA – Cambridge Energy Reserach Associates, EIA – Energy International Administration) admitem que isso só acontecerá daqui a duas ou três décadas. Contudo todos são unânimes em que o desajustamento acontecerá mais cedo ou mais tarde.

Grandes projectos com custos energéticos de construção avultados ou sujeitos a forte impacto energético na sua exploração têm de ser avaliados também nesta perspectiva. Ainda há meses, a propósito de uma notável conferência sobre o tema “The low carbon economy”, proferida por David Miliband, na altura ministro inglês do ambiente que alguns chegaram a apontar como o provável sucessor de Tony Blair, alguém questionava a oportunidade de investimentos como a construção ou ampliação de aeroportos.

O novo aeroporto de Lisboa entrará em funcionamento, na melhor das hipóteses em 2017, e isso, tudo o indica, acontecerá num cenário de grande penúria energética. Tal irá certamente motivar fortes aumentos de preços dos combustíveis que afectarão os custos de construção e irão alterar de forma significativa as previsões de evolução do número de passageiros e, consequentemente, do número de voos.

Reavaliar será, neste caso, sinónimo de sensatez."

É mesmo isso, os grandes projecto que impliquem o consumo de elevadas quantidade de petróleo e derivados devem ser urgentemente revistos!

3 comentários:

Carlos Faria disse...

Este artigo coloca várias perguntas pertinentes, mas não aponta soluções alternativas... mas isso já é normal em Portugal.
Posso informar (certamente também sabe) que a exploração das areias betuminosas provoca um impacte ambiental muito significativo, por implicar a remoção de terrenos em área em vez de bombagem a partir de um furo. Situação que tem provocado graves danos em Alberta (apesar do conservadorismo do governo provincial, muito próximo dos lobies do petróleo, não fazer muito alarido).
Quanto à necessidade de reflexão do aeroporto, talvez o petróleo seja apenas mais um dos muitos motivos de refelxão, embora pense que a necessidade de mobilidade vai mais obrigar aos fabricantes acelerarem a pesquisa de novas fontes de energia do que reduzir a quantidade de aviões. Vencerá a construtora que descobrir mais depressa a alternativa viável.

Pedro Veiga disse...

Não, de facto este artigo não apresenta soluções alternativas. Toca no problema falando dos limites de extracção de um recurso fundamental e finito. Não tenho visto artigos de opinião escritos em português que abordem este problema nesta perspectiva.
Mudanças: seja daqui a 10 anos ou a 6 meses o certo é que o peak oil está aí a bater à nossa porta, para o bem e para o mal...

Anónimo disse...

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