quarta-feira, 30 de novembro de 2011

A crise do euro, segundo António Ribeiro Ferreira

Meninos rabinos não querem tomar banho

por: António Ribeiro Ferreira, director do Jornal i

"Os meninos são uns porcos. Fogem da água como o diabo da cruz. O cheiro já é insuportável. A mãe desespera para os pôr na ordem. Os castigos físicos, bofetadas, reguadas, açoites bem dados não resolvem nada. Os meninos já se habituaram a levar pancada e quem fica esgotada é a pobre mãe. Os meninos, porcos e desmazelados, gostam imenso de disfarçar o mau cheiro com umas gotas do perfume da mãe. A mistela entre a porcaria e o perfume é nauseabunda. A casa cheira mal, os quartos dos energúmenos são uma esterqueira. Um dia, desesperada, a mãe usou o último argumento. Se não tomarem banho a sério, com sabão azul e branco e uma escova para remover o sarro acumulado em todo o corpo, não comem. Ponto. Todos os dias, antes de se sentarem para jantar, os meninos têm de tomar banho. Mas como são malandros e preguiçosos, a mãe impôs uma inspecção minuciosa às orelhas, costas, unhas das mãos e dos pés e cabelos. Os meninos protestam, fartam-se de gritar, dizem que a sua liberdade, privacidade e independência estão a ser postas em causa e acusam a mãe de actuar de forma desumana e contra todos os direitos – esqueceram-se dos deveres – das criancinhas. Mas a verdade é que, com mais ou menos berratas, protestos e caras-de-pau na hora da comidinha, os meninos porcos e preguiçosos passaram a sentar-se à mesa bem lavadinhos para saborear os petiscos preparados pela mãezinha que os atura. A Europa, a dos vinte e sete países e também a que usa a moeda única, está na mesma. Desleixaram-se, gastaram à tripa-forra, andaram a fingir que eram ricos e foram acumulando lixo atrás de lixo nas contas públicas e nas dívidas públicas. Reformas, nem pensar. Austeridade, só para os outros. Os direitos adquiridos estão acima de tudo, até de haver dinheiro para os pagar. Quando as coisas apertaram, o dinheiro escasseou e se tornou muito caro, desataram aos gritos, a berrar por tudo e por nada, sempre com imensas soluções milagrosas nas algibeiras. Vociferam contra os pacotes de austeridade, dizem que matam a economia que foi morta e bem morta com os sucessivos aumentos de impostos lançados contra as famílias e as empresas para satisfazer as despesas públicas incontroláveis, e exigem, com voz grossa, que a mãe Alemanha lhes dê comida sem tomarem banho. A solução para esta brutal crise das dívidas soberanas aparece límpida e muito simples. Criam-se as eurobonds, onde entra todo o material tóxico acumulado ao longo destes anos, espera-se que os mercados e as agências de rating acreditem nessa peta, e depois põe-se o Banco Central Europeu a imprimir notas e notas para gáudio de todos os preguiçosos. Com eurobonds no mercado e muitos euros nos bolsos, a Europa voltaria a sorrir, a economia dispararia, o desemprego baixaria para níveis insignificantes e a história desta tragédia teria certamente um final muito feliz e democrático. Acontece que, para bem dos nossos pecados, a Europa tem uma mãe que não vai nas cantigas das cigarras. Antes do pão na mesa é preciso uma boa barrela. Devidamente fiscalizada por causa dos malandros e dos manhosos."

Que opinião tão desconcertante e pueril sobre esta crise!

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