Por João Ramos de Almeida
Não se trata de uma nova lição. Talvez seja uma lição antiga que ainda não foi aprendida pelos Governos. E está por saber se haverá força política para obstar ao poder do dinheiro.
Em traços grossos, a lição retira-se do desmantelamento da regulamentação dos mercados financeiros. Sem baias, a propensão do sector financeiro foi para, em enxame, apostar em produtos financeiros sem cobertura de activos. A miragem de lucros exponenciais funcionou até que se quebrou um dos elos - os empréstimos subprime. A "bolha" rebentou, as instituições financeiras ficaram com os balanços a descoberto e alguns Estados foram chamados a financiar os "buracos" para evitar o contágio à economia real. Mas o aperto geral do crédito repercutiu-se em recessão. Os Estados endividaram-se nos mercados financeiros de dívida pública, alguns foram forçados a programas de austeridade e acabaram na mão das agências de rating, financiadas pelo próprio sector financeiro. Pelo caminho, os pobres foram ficando mais pobres e os ricos mais ricos.
Algo assim aconteceu no início do século XX. Aconteceu no início do século XXI. E nada está a mudar.
Leia-se o Prémio Nobel da Economia Paul Krugman - em particular o seu livro A Consciência de um Liberal. A seguir à Grande Depressão, as políticas do New Deal teceram a regulamentação que limitou um sector egoísta e despreocupado. Preveniu-se a corrida aos balcões dos bancos que pulverizara poupanças privadas e sugado milhões para a pobreza. As bases da Segurança Social nasceram aí. Os salários cresceram e a sociedade tornou-se mais equilibrada e feliz. Os partidos Democrata e Republicano aproximaram-se, porque os segundos já não queriam destruir o New Deal.
A crise actual nasceu quase de uma "vingança" política, com a motivação do dinheiro. Os republicanos - imbuídos da ideia de auto-regulação do mercado asfixiada pelo peso regulador do Estado - desmantelaram, no último quarto do século XX, o edifício legal do New Deal e fragilizaram o papel do Estado. O sistema financeiro dependeu cada vez mais de paraísos fiscais, balcões-"biombos", contabilidades dúbias, produtos financeiros sem cobertura de activos reais, multiplicados sem fim em sistema de apostas. O entrosamento dos bancos e seguradoras com o poder político, autoridades monetárias e economistas optimistas, todos embriagados com os milhões que ilusoriamente insuflavam a riqueza dos países, viabilizaram a nova desordem social.
E tudo se agravou quando a música parou em 2007. Os empréstimos sub-prime detonaram a crise. Apanhadas em contra-pé, as instituições exigiram socorro pelos Estados. Aprovaram-se pacotes de ajuda. Mais tarde, ouvido pelo Congresso, Alan Greenspan, que esteve à frente do board da Reserva Federal (banco central) de 1987 a 2006, que sempre defendeu a desregulamentação convencido da capacidade dos accionistas de proteger os interesses de longo prazo das firmas, que poderia ter impedido esse tipo de produtos e empréstimos e que nada assinalou, foi exemplar ao afirmar: "Ainda não percebi bem por que é que isto aconteceu. (...) Descobri uma falha no meu modelo ideológico".
O fecho da firma Lehman Brothers a 15 de Setembro de 2008 espalhou a crise pelo continente europeu. A Alemanha impôs que a salvação das instituições seria paga por cada Estado, indiciando um desprendimento que viria a fragilizar países do euro.
Os cidadãos europeus assistiam à sucessão de fechos como um imenso tsunami a progredir em câmara lenta, mas descrentes que chegasse à sua praia. Governos - como o português - ajudaram à ilusão de que a maré não atingiria a costa. Mas chegou.
Em Janeiro de 2009, os números do desemprego explodiram. Aprovaram-se apoios aos desempregados, às empresas. Mas mesmo quando a administração fiscal já alertava para a quebra de receitas em larga escala, o Governo negou o evidente até às eleições de Setembro. Um défice superior a 7 por cento do PIB em 2010 chamou a atenção.
Foi nesse período que se abriu a crise grega. O Governo Papandreoudenunciou o anterior: as contas orçamentais tinham sido marteladas e o défice era bem superior. Os mercados pressionaram nos primeiros meses de 2010 e em Maio foi aprovada a ajuda comunitária à Grécia. No dia seguinte, em ambiente de crise, o Governo de Portugal aprovou o seu PEC2.
As agências de rating aproveitaram o efeito de contágio da crise grega, da irlandesa e voltaram-se para Portugal. Exigiram medidas abruptas que serviram de pretexto para baixar o rating do país. Adoptadas no PEC3 e insensíveis à degradação orçamental que ajudaram a criar, argumentaram que as medidas eram recessivas e que Portugal teria então piores condições para cumprir as metas. E baixaram o rating. As taxas de juro da dívida pública galgaram diante de um Governo impotente. O limiar de insustentabilidade da dívida aproximou-se velozmente e arrastou para a discussão pública o regresso do FMI e, a prazo, a "purificação" do euro.
O preço será caro, sobretudo para os mais pobres. Mas desde 2008 - seja por falta de coragem, seja para não agravar a crise da banca - ficou por concretizar uma regulação séria do sector financeiro.
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