Encontrei esta excelente crónica de Eduardo Prado Coelho nos meus arquivos informáticos:
Tal como Os Cisnes
Os textos de João César das Neves no "Diário de Notícias" são para mim quase sempre fonte de perplexidades ilimitadas. O mais recente, intitulado "O século do sexo", não escapa à regra - diria mesmo que a consagra definitivamente.
Como economista, João César das Neves começa por se espantar por que motivos o sexo tem hoje tão grande lugar no "marketing". Fá-lo nos termos rigorosos da sua ciência (que neste caso ganham contornos hilariantes): "Este gigantesco interesse publicitário é muito estranho. Trata-se de um produto velho como o mundo, sem melhorias tecnológicas ou patentes registadas, produzido em enormes quantidades a custo nulo e que, na sua esmagadora maioria, tem também preço zero. Na verdade, a parte remunerada do acto sexual representa uma percentagem muito diminuta do sector. Os únicos interesses industriais evidentes estão ligados a produtos laterais, como filmes, espectáculos ou contraceptivos. Aquilo que tecnicamente se chama 'merchandizing'."
Como explicar então o fenómeno? João César das Neves lança uma hipótese: "Toda esta actividade tem origem numa decisão histórica que as sociedades ocidentais tomaram há umas décadas, a liberalização sexual." Estranha decisão, é verdade. Não se sabe se foi um referendo universal, se um decreto da Sociedade das Nações, se um ditame secreto e demoníaco. Mas os resultados estão à vista. Segundo César das Neves, existem partidos como o Bloco de Esquerda "que quase não falam doutra coisa senão sexo". É isso mesmo. Eu já suspeitava que Luís Fazenda fingia interessar-se pela política apenas para dar vazão à sua mentalidade devassa.
Mas, para além desta decisão histórica que João César das Neves dá como irrefutável explicação, devemos observar que ele faz logo em seguida uma outra descoberta: calculem que a sexualidade humana é sobretudo "coisa mental", isto é, artificialidade! Porque "sendo a finalidade natural do sexo indiscutivelmente a procriação", "quase todo o empenhamento erótico actual vai no sentido oposto, procurando um sexo sem filhos". Eis o momento em que João César das Neves começa a estar em condições de entender por que há tão pouco voyeurismo entre os carneiros, tão pouca perversidade entre os camelos e, ai de nós, tão escasso fetichismo entre os rinocerontes.
Daí o descalabro que vai pelo mundo. Porque, "não há dúvidas que a raça humana, tal como os cisnes, acasala para a vida. Mas hoje repudiamos isso, preferindo a precarização sexual". Eu pelos cisnes não respondo, é claro. Já quanto à raça humana, mesmo não sendo economista, talvez pudesse ter algumas dúvidas.
Mas a explicação de todo o texto deverá estará na seguinte passagem sobre a frustração sexual: "Após alguns momentos de êxtase e sonho, vem quase sempre uma dor profunda e muito duradoura." O que, reconheça-se, sem terapia urgente, se torna com a repetição, como diria Pina Moura, manifestamente "desconfortável".
Por EDUARDO PRADO COELHO in Jornal Público, publicado no dia 12 de Abril de 2000
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